30 setembro 2008

Do poder político (12) (continua)

Prossigo a série.
Em sua densidade sensorial, quinestésica, o espectáculo é como que o boom, como que o fecho da abóboda do amortecimento da consciência crítica. Julgo não estar distante da realidade se disser que (1) nada hoje escapa à indústria do espectáculo e (2) nada escapa à engenharia política do espectáculo. A segunda apanha boleia da primeira.
Jogos de futebol e shows musicais não são, em si, produtos políticos, não foram criados para servir interesses políticos. Uns e outros constituem dois pilares de libertação sensorial, de lazer dinâmico.
O futebol é uma das mais imponentes e mediáticas formas de religião profana da actualidade.
Com efeito, os campos de futebol são os reais sucedâneos dos templos de todos os tempos e regiões. Ir a um jogo de futebol é ir a uma missa pagã: rezamos ferverosamente, imploramos aos deuses (as modernas estrelas do futebol), partilhamos a empatia da presença através de múltiplas maneiras (as claques são o exemplo mais flagrante), esperamos que o sacerdote (o árbitro) seja convicente. E regularmente voltamos ao templo para revigorar a nossa fé e aí deixar as nossas preces generosas para que vença o nosso clube, o nosso deus colectivo. As nossas tristezas, as nossas fragilidades, os nossos medos, ficam reactivamente atenuados se as nossas equipas ganham. Se não ganham, sabemos que ganharão um dia. Uma fé inabalável, que a magia, boa ou má, dos treinadores e, no nosso caso, dos vovôs (os grandes curandeiros do ritual), alimenta em permanência.

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